Santa Clara de Assis_.jpgNos anos em que se encontrava com Francisco para aprender dele o caminho de Deus, Clara era uma jovem atraente. O Pobrezinho de Assis mostrou-lhe uma beleza superior, que não se mede com o espelho da vaidade, mas desenvolve-se numa vida de amor autêntico, nas pegadas de Cristo Crucificado. […] Ela já não terá as vestes requintadas da nobreza de Assis, mas a elegância de uma alma que se despende no louvor a Deus e no dom de si mesma.  No pequeno espaço do mosteiro de São Damião, na  escola de Jesus-Eucaristia contemplado com afeto  esponsal, desenvolver-se-ão no dia a dia as  características de uma fraternidade
regulada pelo  amor a Deus e pela oração, pela  solicitude e pelo serviço.Santa Clara trabalhou incansavelmente na Seara do Senhor durante seus 41 anos de vida monástica. Recebeu de seu Divino Esposo grandes graças místicas. Foi favorecida com o  dom de operar milagres.

Inúmeros literatos, novelistas e romancistas ganharam celebridade narrando epopéias fictícias, produto de sua fértil imaginação. Nenhum deles, entretanto, seria capaz de inventar a história que Santa Clara deixou impressa no livro da vida, não imaginável pela mente humana..

A começar pela maneira como recebeu o nome de Clara, que significa Resplandecente. Pouco antes do seu nascimento, sua piedosa mãe, rezando diante de um crucifixo pelo bom êxito de sua entrada no mundo, ouviu uma voz que lhe disse: “Não temas, darás ao mundo uma luz que tornará mais clara a própria luz. Por isso, chamarás Clara à menina”.

Luta para seguir a Vocação

Veio ela à luz em 11 de julho de 1193. Seus pais eram de família nobre e cavalheiresca, e Santa Clara de Assis - História dos Santos e Anjos - Revista Católica Arautos do Evangelhodonos de grande fortuna. Desde tenra infância, causava admiração por suas virtudes, gostava da oração e desprezava os bens deste mundo. Jovem de grande formosura, de cabelos dourados e traços puros, muito cedo consagrou a Deus sua virgindade, desejosa de entregar-se por inteiro à Beleza infinita.

Na flor da mocidade, aos 16 anos, ouviu diversas vezes as pregações de um frade cuja conversão havia comovido toda a cidade de Assis: São Francisco. A exemplo de Nossa Senhora, Clara meditava em seu coração as palavras incisivas do jovem pregador e não tardou a compreender que estava chamada a imitá-lo na santa vida que ele levava. Resolveu, então, tudo abandonar para seguir aquela testemunha viva de Deus.

Seus pais, porém, tinham outros planos… Juntando à formosura, à nobreza e à riqueza um temperamento amável, essa moça tinha diante de si todas as possibilidades de um casamento brilhante e… proveitoso à família. Começou então para ela, não a luta de Santa Joana d’Arc nos campos de guerra, mas uma árdua batalha de palavras e atitudes para convencer seus pais a aceitarem uma decisão já tomada e irrevogável.

Filha e discípula de São Francisco

No domingo de Ramos de 1212, a jovem Clara se lançou numa aventura tão heróica que, a não ser inspirada pelo Espírito de Deus, faria tremer o mais audacioso dos Cruzados. Subtraindo- se à vigilância dos pais, acompanhada por uma parenta, foi ela confiar sua vocação ao bispo Guido, e seu porvir a um novo pai: São Francisco, o qual se tornou seu guia espiritual.

Diante da imagem de Santa Maria dos Anjos, a jovem renunciou ao mundo por amor ao Menino Jesus, posto numa pobre manjedoura. Cobriu-se de uma túnica de lã e cingiu-se de uma corda, à maneira dos frades franciscanos, aos quais entregou suas luxuosas vestes. O próprio São Francisco cortou sua cabeleira de ouro e ela cobriu a cabeça com um véu negro, calçou sandálias de madeira e pronunciou os votos.

Inconformados, seu pai e alguns parentes tentaram dissuadi-la de seguir o caminho por ela escolhido. Porém, firme na sua decisão, ela não se deixou em nada abalar pelos rogos e promessas que lhe fizeram. Quiseram, então, arrancá-la à força do Convento. Ela se pôs junto do altar e retirou o véu negro, mostrando-lhes a cabeça raspada, sinal do seu definitivo adeus ao mundo. /p>

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São Francisco, guia espiritual de Santa Clara (Mosteiro de Subiaco, Itália)

A inconformidade da família cresceu quando sua irmã Inês, por força das orações de Clara, foi juntar-se a ela no mesmo ideal de vida. Nova investida dos parentes. Doze homens fortes e bem armados, comandados pelo tio Monaldo, receberam ordens do pai para trazer Inês de volta, ainda que por meios violentos. Diante daquela demonstração de força, as freiras de Santo Ângelo decidiram deixar a jovem partir.

Esta, porém, disposta a tudo, reagiu tenazmente à pretensão paterna. Arrastada pelos cabelos por um dos esbirros e espancada com brutalidade, ela gritava, pedindo socorro a Clara. A Santa rezava, invocando ajuda de Deus. De súbito, o corpo da moça torna-se pesado e rígido como um compacto bloco de pedra. Os doze robustos homens esforçam-se por arrastá-la. Tomado de fúria, o tio tenta esmagar-lhe a cabeça com suas luvas de ferro, mas fica com o braço paralisado no ar. Clara, então, aproxima-se, toma sua irmã toda esfolada, semimorta, e a reconduz ao convento. Perplexos, os agentes da prepotência paterna se retiram.

A partir deste fato, a família não mais pôs obstáculos à vocação das filhas. A fortaleza espiritual da virgem frágil havia domado a força bruta da matéria. Anos depois, outra irmã, Beatriz, foi juntar-se a elas no Convento de Santo Ângelo. Finalmente, Santa Clara teve a consolação de ver sua mãe e muitas outras damas da cidade entrarem pela via de santificação aberta por ela, nas pegadas de São Francisco.

Fundadora e Abadessa

São Francisco escreveu uma “Regra de Vida” para as freiras, a qual se resumia na prática da Pobreza Evangélica. E em 1215 obteve para elas a aprovação do Papa Inocêncio III. Nessa ocasião, Clara, por ordem expressa do Santo Fundador, aceitou o encargo de Abadessa. Estava fundada a Ordem das Clarissas.

Com a morte do seu pai, Clara herdou uma grande fortuna, da qual nada reteve para o convento. Distribuiua totalmente aos pobres. O Papa Gregório IX procurou fazê-la aceitar para si e para o convento alguns bens temporais, argumentando que podia, para esse fim, desligá-la do voto de pobreza. Ela respondeu:

— Santo Padre, desligai-me dos meus pecados, mas não da obrigação de seguir Jesus Cristo!

A mais perfeita imagem de São Francisco

Uma das mais admiráveis conquistas de São Francisco foi Santa Clara, cujo nome parecia projetar luz e cujo simples retrato, estampado numa das paredes da basílica de Assis, ainda hoje comove o visitante com seu encanto misterioso, penetrante e atraente. Assim como a Virgem Maria é o mais perfeito reflexo de Jesus Cristo, a Fundadora das Clarissas, à maneira feminina, projeta a imagem mais perfeita de São Francisco de Assis.

Imensa era a admiração de Santa Clara e suas filhas pelo seu Pai espiritual. Costumava ela dizer-lhe: “Dispõe de mim como te aprouver. Estou às tuas ordens. Depois que fiz a Deus o sacrifício de minha vontade, não mais me pertenço!” Conta-nos o historiador Joergensen que, “não obstante a humildade do Santo, ele teve de reconhecer em que alto grau de admiração era tido por Clara e suas freiras, e de compreender como grande parte dos sentimentos religiosos delas se ligava a esta veneração para com sua pessoa”.

Instrumento para a realização de um plano de Deus

Um biógrafo de Santa Clara observa que, nessa época na qual a Cristandade começava a imergir num processo de decadência, o mundo já parecia decrépito e envelhecido. Escurecia-se a visão da Fé, vacilavam os costumes cristãos na sociedade, enfraquecia-se o vigor dos grandes empreendimentos pela glória de Deus e salvação das almas. O ressurgimento dos antigos vícios pagãos veio agravar essa decadência.

A Cristandade tendia para a moleza, o relaxamento, a perda do senso do sobrenatural, e se inebriava com os bens materiais proporcionados pelo avanço da civilização.

Nesse contexto, interveio Deus, suscitando varões como São Francisco e São Domingos, verdadeiros luminares do mundo, mestres e guias dos povos. Com eles despontou um fulgor de meio-dia num mundo em ocaso. A Providência Divina não haveria de deixar sem ajuda o sexo mais frágil. Por isto, suscitou Santa Clara, acendendo nela uma luz claríssima e apresentando-a como modelo a ser imitado pelas mulheres. Os resultados não se fizeram esperar.

A santidade arrasta

Rapidamente se espalhou a fama de santidade de Clara. De toda parte as virgens acorriam a ela, querendo, a seu exemplo, se consagrarema Cristo. Não só isto. Tomadas de admiração pela virgindade, as mulheres já casadas sentiram um forte convite da graça para viverem mais castamente, segundo o seu estado. Nobres e ilustres senhoras, abandonando vastos palácios, construíram sentiram um forte convite da graça para viverem mais castamente, segundo o seu estado. Nobres e ilustres senhoras, abandonando vastos palácios, construíram mosteiros para neles viverem com grande honra, pelo amor de Cristo.

O encanto pela pureza foi reanimado até mesmo em rapazes, os quais, pelo exemplo de Santa Clara e suas filhas, passaram a desprezar os prazeres enganosos da carne e foram procurar a verdadeira felicidade nos mosteiros dos frades franciscanos ou dominicanos. Aquele século viu com admiração e espanto uma prodigiosa inversão de conceitos. Tornou-se comum ver mães oferecerem suas filhas a Cristo, ou as filhas arrastarem suas mães. A irmã atraía as irmãs; e a tia, as sobrinhas. Todas com fervorosa emulação desejavam servir a Cristo, em troca de uma parte nessa vida angelical que Clara fez brilhar nas trevas do mundo.

A novidade de tais sucessos correu pelo mundo inteiro, ganhando almas para Cristo em toda parte. Da clausura monástica, ela começou a iluminar todo o mundo. A fama de suas virtudes invadiu os salões das senhoras ilustres, chegou aos palácios das duquesas e penetrou nos aposentos das rainhas. A nata da nobreza passou a seguir suas pegadas. Santa Clara abrira o caminho para se propagar a observância da castidade no mundo, imprimindo uma vida nova ao estado de virgindade.

Austeridade alegre e feliz

A santa Abadessa era um exemplo vivo para suas filhas espirituais. Era a primeira a cumprir a regra na perfeição. À imitação de São Francisco, essas freiras praticaram austeridades até então desconhecidas do sexo feminino. Usavam um rústico cilício feito de crina de animal, andavam descalças, dormiam no chão, tendo por leito agressivos ramos e por travesseiro um duro pedaço de pau. Jejuavam nas vigílias de todas as festas da Igreja, passavam a pão e água todo o tempo da Quaresma. Durante o Advento — 11 de novembro ao dia de Natal — não tomavam alimento algum nas segundas, quartas e sextas-feiras. E ainda se submetiam a rudes disciplinas. Em meio a todas essas austeridades, nada se notava de melancolia ou tristeza em Santa Clara. Pelo contrário, seu rosto era sempre jovial, radiante de felicidade, cheio de encantadora serenidade e doçura, só falando de coisas alegres.

À imitação do Redentor, ela lavava os pés das irmãs, servia a mesa e cuidava das enfermas, principalmente daquelas vítimas das doenças mais repugnantes. Ela mesma freqüentemente doente, entretanto, nunca deixava de trabalhar. Quando não podia se levantar, acomodava-se no leito e punha-se a bordar paramentos para as igrejas pobres.

A formação diária das Irmãs

Morte de Santa Clara de Assis.jpgA santa Fundadora formava suas filhas espirituais com a pedagogia aprendida do Divino Mestre. Primeiro, mostrava-lhes como afastar da alma toda agitação, para poderem firmar-se somente na intimidade de Deus. Depois, ensinava-as a não se deixarem levar pelas lembranças dos ambientes sociais que deixaram, para viverem só para Cristo. Tinha cuidado em lhes fazer notar como o demônio insidioso arma laços ocultos para as almas puras e fervorosas, diferentes das tentações com que procura levar ao pecado as pessoas mundanas. Queria que todas tivessem tempos certos de trabalhos manuais, para fugir do torpor da negligência.

No seu convento, eram perfeitas a observância do silêncio e a prática da honestidade. Entre essas virgens, não havia conversas vãs nem palavras levianas ou frívolas. A própria mestra, de poucas palavras, resumia em alocuções breves a abundância de sua mente.

“Vai em paz, minha alma!”

Santa Clara trabalhou incansavelmente na Seara do Senhor durante seus 41 anos de vida monástica. Recebeu de seu Divino Esposo grandes graças místicas. Foi favorecida com o dom de operar milagres, do qual fez uso largamente em benefício de inúmeros doentes. O próprio Papa — que bem sabia como é livre o acesso das virgens puras à presença da Divina Majestade — muitas vezes dirigia-se a ela, pedindo suas valiosas orações. E sempre foi prontamente atendido.

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A basílica de São Francisco, onde se conservam os restos mortais do santo, domina o panorama da cidade de Assis

Os rigores da regra, as fadigas dos muitos trabalhos, a vida de mortificação levaram-na a contrair uma incômoda enfermidade que ela carregou com ufania ao longo dos últimos 28 anos de sua vida. Em seu leito de morte, teve a graça insigne de receber a visita do Papa Inocêncio IV, acompanhado de seus cardeais. Entregou sua luminosa alma a Deus no dia 11 de agosto de 1253, aos 60 anos de idade.

Sua última conversa foi com sua própria alma: “Vai em paz minha alma! Tens um guia seguro que te mostrará o caminho: Aquele que te criou, santificou, amou e não cessou de vigiar com ternura de uma mãe que zela pelo filho único de seu amor. Dou graças e bendigo ao Senhor porque Ele criou a minha vida”. Ouvindo-a falar, uma irmã lhe perguntou:

— Com quem conversavas, minha Madre?

— Com minha alma — respondeu a Santa.

Em 1255, menos de dois anos após sua morte, foi incluída no catálogo dos santos pelo Papa Alexandre IV, ante a evidência dos milagres obtidos através de sua intercessão. Desde então, é uma lâmpada colocada sobre o candelabro para iluminar todos os que habitam a casa do Senhor.

Pobreza e elevação de espírito

Espécime de um gênero quase esquecido nestes tempos de omnipresença da informática, a carta manuscrita é um dos documentos mais reveladores da personalidade humana. Por ela pode-se descortinar com segurança o interior de quem escreve. A caligrafia e a linguagem, mas também o papel, o tipo de caneta, a cor da tinta e inúmeros outros detalhes escolhidos sem maior atenção são elementos que indicam as filigranas do pensamento de alguém.

Assim, biógrafos e hagiógrafos se debruçam com empenho sobre esses preciosos documentos que lhes manifestam, com riqueza de detalhes, traços da alma das personagens por eles analisadas.

Correspondência entre duas santas

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Santa Clara”, por Lippo Memmi Metropolitan Museum of Art, Nova York

Nesta perspectiva, revela-se de especial interesse a leitura e contemplação das cartas de Santa Clara de Assis, humilde e obediente filha espiritual de São Francisco.

No ano de 1234 recebeu ela uma consoladora notícia, que logo se espalhou pela Europa: uma jovem de sangue real, a princesa Inês, filha do Rei da Boêmia, havia decidido abandonar as riquezas e comodidades próprias de sua elevada categoria e tomar o hábito entre as filhas de Santa Clara de Assis.

Como a ordem ainda não possuía nenhum mosteiro em Praga foi preciso enviar para ali um grupo de religiosas formadas diretamente pela fundadora, a fim de erigi-lo. E foi preciso também um volumoso carteio, por meio do qual a santa procurava transmitir à nobre discípula, mais do que as simples constituições, o espírito da seráfica Ordem.

Escritas sob influência de uma grande graça mística

As cartas enviadas por Santa Clara de Assis para sua filha espiritual dão testemunho de um relacionamento celestial e, por sua elevação, parecem ter sido escritas sob a influência de alguma grande graça mística… ou quiçá fosse essa a clave habitual em que vivia a santa. A maneira nobre, poética, elegante, sobretudo admirativa e caridosa, com a qual Santa Clara de Assis se dirige à sua discípula, mostra bem a retidão de sua alma e o trato cheio de respeito e ternura por suas subordinadas. E a linguagem revela, ao lado de um despretensioso despojamento, um espírito cultivado, habituado à consideração das verdades eternas.

Sua autora as redigiu no estilo cerimonioso daqueles felizes tempos em que, segundo a expressão cunhada por Leão XIII, “a filosofia do Evangelho governava os Estados”. Estilo revelador de uma mentalidade que via em cada ser humano um reflexo único das qualidades divinas. Levam-nos essas cartas a considerar não só a dignidade principesca da futura Santa Inês de Praga, mas sobretudo as insignes virtudes que a tornavam merecedora dos elogios de sua fundadora.

Linguagem pervadida de humildade e pureza

Julgue o leitor por si mesmo a beleza das palavras de Santa Clara de Assis, nas quais transparece não apenas sua humildade, mas também sua alma admirativa e poética. E diga depois se, ao lê-las, não sentiu o perfume da santidade desses antigos tempos.

Assim inicia ela sua primeira missiva: “À venerável e santa virgem, Dona Inês, filha do excelentíssimo e ilustríssimo rei da Boêmia, Clara, indigna ancila de Jesus Cristo e ­serva inútil das Damas enclausuradas do mosteiro de São Damião, sua súdita e serva se recomenda inteiramente com especial respeito e lhe deseja que obtenha a glória da felicidade eterna”.

A linguagem, pervadida de humildade e pureza, respeita a condição principesca da destinatária e ao mesmo tempo a faz voltar os olhos para os títulos eternos que deve almejar.

Encerra a carta com um pedido: “Suplico-vos ainda no Senhor, tanto quanto posso, de incluir em vossas santíssimas orações esta vossa inútil serva e as outras irmãs deste mosteiro, que tanto vos veneram, para podermos, com esse auxílio, merecer a misericórdia de Jesus Cristo e convosco nos rejubilarmos na eterna contemplação. Saudações no Senhor. Rezai por mim”.

Convívio epistolar que preludia o convívio no Céu

Dois anos depois, escreve-lhe novamente e assim se exprime: “À filha do Rei dos reis, à serva do Senhor dos senhores, à digníssima esposa de Jesus Cristo e por isso nobilíssima rainha Dona Inês, Clara, indigna e inútil servidora das Damas Pobres, envia saudações e votos de que viva sempre na perfeita pobreza”.

É admirável o modo sutil como Santa Clara de Assis ressalta à filha do rei da Boêmia sua condição de filha do Rei dos reis, título mais elevado que qualquer outro. E como, chamando-a de “nobilíssima rainha”, recorda-lhe sua união com Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo. A ideia de manifestar-lhe “saudações e votos de que viva sempre na perfeita pobreza” faz resplandecer aos olhos de sua filha espiritual, entre tantas outras virtudes, a do desapego dos bens terrenos e total despretensão de espírito. Essa carta prossegue toda repassada de angelicais conselhos para que as irmãs perseverem na prática da santa pobreza constitutiva de seu carisma.

“Lembra-te de tua mãe pobrezinha”

Outros dois anos haviam decorrido quando Santa Inês recebeu da fundadora mais uma carta, em cujo início se lê: “À senhora veneradíssima em Cristo, irmã digna de amor mais que todas as criaturas mortais, Inês, irmã do ilustre rei da Boêmia, mas agora sobretudo irmã e esposa do supremo Rei dos Céus, Clara, humílima e indigna ancila de Cristo, e servidora das Damas Pobres, almeja salutar alegria no Autor da salvação e tudo quanto de melhor ela possa desejar”.

Finalmente, em 1253, poucos meses antes de falecer, Santa Clara de Assis assim se dirige à sua filha espiritual: “Àquela que é a metade de sua alma e santuário de um singular e cordialíssimo amor, à ilustre rainha, esposa do Cordeiro e Rei eterno, a Dona Inês, sua queridíssima mãe e filha entre todas preferida, Clara, indigna serva de Cristo e inútil servidora das servas do Senhor residentes no mosteiro de São Damião, em Assis, envia saudações e votos de que possa entoar, em companhia das outras santas virgens, o cântico novo diante do trono de Deus e do Cordeiro, e acompanhar o Cordeiro por todos os lugares aonde Ele vá”.

Pressentindo o fim de sua existência, assim se exprime Santa Clara de Assis a Santa Inês: “Lembra-te de tua mãe pobrezinha, sabendo bem que conservo de ti uma cara recordação indelevelmente impressa em meu coração, pois para mim és de todas a mais querida. Que mais poderia ainda dizer-te? É melhor renunciar à palavra humana, incapaz de manifestar meu afeto; somente a alma, com sua linguagem silenciosa, conseguiria fazer-te senti-lo”.


Fonte: Revista Arautos do Evangelho