Sem a oração cotidiana, vivida com fidelidade, o nosso fazer se esvazia e se reduz a um simples ativismo que nos deixa por fim insatisfeitos
Na vida da Igreja, nos seus primeiros passos, reflete-se de certo modo o que aconteceu durante a vida pública de Jesus, na casa de Marta e Maria, em Betânia. Marta empenhava-se por inteiro no serviço da hospitalidade a ser oferecida a Jesus e aos seus discípulos. Maria, ao contrário, dedica-se à escuta da Palavra do Senhor (cf. Lc 10, 38-42).
Nos dois casos, não se contrapõem os momentos da oração e da escuta de Deus, e a atividade cotidiana, o exercício da caridade. A admoestação de Jesus: “Marta, Marta, andas muito inquieta e te preocupas com muitas coisas; no entanto, uma só coisa é necessária; Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada” (Lc 10, 41-42), assim como a reflexão dos apóstolos: “Nós atenderemos sem cessar à oração e ao ministério da palavra” (At 6, 4), mostram a prioridade que devemos dar a Deus.
Nossa atividade deve estar sempre penetrada pela luz da Palavra
Não quero entrar agora na interpretação desta perícope Marta-Maria. Em todo caso, não se deve condenar a atividade a favor do próximo, do outro, mas é preciso ressaltar que ela deve estar penetrada interiormente também pelo espírito da contemplação.
Por outro lado, diz Santo Agostinho que essa realidade de Maria é uma visão da nossa situação no Céu; portanto, nunca poderemos tê-la completamente na Terra, mas um pouco de antecipação deve estar presente em toda a nossa atividade. Deve estar presente inclusive a contemplação de Deus. Não podemos perder-nos no ativismo puro, mas devemos sempre deixar-nos penetrar, em nossas atividades, pela luz da Palavra de Deus e assim aprender a caridade autêntica, o serviço verdadeiro ao outro, que não necessita de muitas coisas; precisa sem dúvida das coisas necessárias, mas falta-lhe, sobretudo, o afeto do nosso coração, da luz de Deus.
Comentando o episódio de Marta e Maria, Santo Ambrósio assim exorta os seus fiéis, e também a nós: “Procuremos também nós ter aquilo que não nos pode ser tirado, prestando à Palavra do Senhor uma atenção diligente, não distraída: até às sementes da palavra celeste acontece de serem levadas para longe, se forem lançadas ao longo do caminho. Estimule-te também a ti, como a Maria, o desejo de saber: é esta a maior, a mais perfeita obra”. E acrescenta que mesmo “o cuidado do ministério não deve distrair do conhecimento da palavra celeste”, da oração (Expositio Evangelii secundum Lucam, VII, 85: PL 15, 1720).
Sem a oração cotidiana, o nosso fazer se esvazia
Os santos experimentaram, pois, uma profunda unidade de vida entre a oração e a ação, entre o amor total a Deus e o amor aos irmãos. No livro De consideratione – dedicado ao Papa Inocêncio II para oferecer-lhe algumas reflexões a respeito do seu ministério – São Bernardo, que é um modelo de harmonia entre contemplação e laboriosidade, insiste precisamente sobre a importância do recolhimento interior, da oração para se defender dos perigos de uma atividade excessiva, qualquer que seja a condição na qual se encontra a pessoa e a tarefa que ela executa. Afirma ele que as ocupações excessivas, uma vida frenética, terminam muitas vezes por endurecer o coração e fazer sofrer o espírito (cf. II, 3).
Esta é uma exortação preciosa para nós, hoje, habituados a avaliar tudo em função da produtividade e da eficácia. O trecho dos Atos dos Apóstolos recorda-nos a importância do trabalho – foi criado, sem dúvida, um verdadeiro ministério -, do compromisso nas atividades cotidianas que devem ser desempenhadas com responsabilidade e dedicação, mas também de nossa necessidade de Deus, de sua orientação, de sua luz, que nos dão força e esperança.
Sem a oração cotidiana, vivida com fidelidade, o nosso fazer se esvazia, perde sua alma profunda, reduz-se a um simples ativismo que nos deixa por fim insatisfeitos. Há uma bela invocação da tradição cristã, para recitar antes de qualquer atividade, que diz: “Actiones nostras, quæsumus, Domine, aspirando præveni et adiuvando prosequere, ut cuncta nostra oratio et operatio a te semper incipiat, et per te coepta finiatur”. Ou seja: “Inspirai as nossas ações, Senhor, e as acompanhai com vossa ajuda, para que cada uma de nossas palavras e atos tenha em Vós seu início e em Vós o seu cumprimento”. Cada passo da nossa vida, cada ação, inclusive da Igreja, deve ser feita diante de Deus, à luz da sua Palavra. […]
Primado da oração e da palavra no ministério pastoral
Caros irmãos e irmãs, o problema pastoral que levou os apóstolos a escolher e a impor as mãos sobre sete homens encarregados do serviço da caridade, para poderem eles mesmos se dedicar à oração e ao anúncio da Palavra, indica também a nós a primazia da oração e da Palavra de Deus que, todavia, produz depois também a obra pastoral.
Para os Pastores, é esta a primeira e mais preciosa forma de serviço em favor do rebanho a eles confiado. Se os pulmões da oração e da Palavra de Deus não alimentarem a respiração da nossa vida espiritual, correremos o risco de nos sufocar no meio das mil coisas de cada dia: a oração é a respiração da alma e da vida. (Excertos da Audiência Geral, 25/4/2012 – Tradução: Arautos do Evangelho)
(Revista Arautos do Evangelho, Junho/2012, n. 126, p. 8-9)
Fonte: Arautos do Evangelho
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