A inveja leva à calúnia
Numa aldeia da Áustria, em 1847, vivia uma pobre mulher, viúva com cinco filhinhos, e os sustentava com seu trabalho de costura e bordado. Uma jovem costureira, chamada Ana Geisel, invejosa da muita freguesia que tinha a viúva e desejosa que a perdesse, levantou-lhe uma calúnia: espalhou que a costureira tinha uma doença contagiosa das mais repugnantes. Os fregueses deram-lhe crédito e, não recebendo mais trabalho, a viúva viu-se obrigada a pedir esmola. Mas mesmo as portas daqueles que antes a favoreciam, agora se fechavam para ela. Por ocasião do jubileu de Pio IX, naquele ano, a invejosa caluniadora confessou a verdade e fez pública retratação numa declaração firmada de próprio punho. Essa declaração, a caluniadora mandou afixar no quadro de avisos da prefeitura; além disso, enviou à viúva uma pequena indenização pelos prejuízos causados e, logo, desapareceu da aldeia para ocultar sua vergonha.
A pobre invejada e caluniada recobrou sua antiga freguesia, e daí em diante foi sempre muito favorecida de todos.
A detração é a difamação injusta do próximo, e pode ser realizada mediante a murmuração e a calúnia.
Só se dá detração se há injustiça; quer dizer: não haverá detração se a fama sofre detrimento justamente; p. ex., age justamente quem disser ter visto tal ladrão que acaba de roubar.
A detração pode assumir as formas de murmuração ou de calúnia.
A murmuração consiste em criticar e revelar, sem justo motivo, os defeitos ou pecados ocultos dos outros.
Quando a falta é pública, este fato tira a quem a cometeu o direito de conservar a fama; direito que, apesar de tudo, tem enquanto o seu pecado permaneça oculto. No entanto, mesmo que a falta seja pública, se não existir justo motivo, também não há razão para a crítica, pois a fama já de si deteriorada ainda mais seria desfeita. Por ex., mesmo quando for patente a corrupção ou a inaptidão de certas pessoas, não se deve fazer crítica por criticar, pois faltaria motivo justo.
A calúnia consiste em imputar a outrem defeitos ou pecados que não tem ou não cometeu.
Também se pode cometer este pecado exagerando consideravelmente os verdadeiros defeitos do próximo.
A detração é em si pecado grave, mas admite matéria leve. A razão já foi dita: o homem tem direito estrito à sua fama e, sem causa justa, não é lícito tirá-la. A gravidade do pecado de detração mede-se por:
A importância do divulgado
O prejuízo causado, não só na reputação do próximo, mas ainda porque lhe causa grave perturbação e desgosto.
A condição do murmurador: p. ex., uma pessoa constituída em autoridade causa mais prejuízo ao murmurar do que outra tida por leviana e pouco séria.
A condição do difamado: porque não é o mesmo dizer que um colega é um mentiroso, ou dizê-lo do professor.
Depravada é a natureza do homem. De preferência procura praticar o que é proibido, em vez de fazer o bem.
O pecado da detração é tão comum como o do furto, havendo muitos que em nenhuma consideração têm a reputação do próximo, não calculando talvez as graves consequências da detração, tanto para a vítima da mesma como para o próprio detrator.
A detração é um furto. Santo Tomás de Aquino escreve: “De duas maneiras pode o próximo ser prejudicado por obra: ou manifestamente, como acontece, quando é vítima de um roubo ou de uma outra violência aberta; ou ocultamente, como no furto, a modo de traição. De duas maneiras pode-se causar prejuízo ao próximo pela palavra de modo manifesto, pela injúria, e de modo oculto pela detração” (Suma Teológica, 2.a 2.a 9. 73, a. 1.). A detração ou maledicência não é outra coisa senão uma injusta difamação da reputação de outrem, por meio de palavras ocultas, ditas na ausência da pessoa em questão. O procedimento do detrator, é o mesmo do gatuno; este furta bens, aquele lesa boa fama do próximo. A detração é feita de dois modos: diretamente quando se atribui à outra pessoa uma falta que não cometeu, um vício que não tem; quando se exagera a falta ou o crime realmente cometido; quando, sem necessidade, se revela faltas ocultas do próximo, ou então quando se interpreta mal uma boa ação do mesmo, como se a tivesse praticado de má intenção. Indiretamente a boa fama do próximo fica comprometida, negando, maldosamente ou diminuindo o seu merecimento.
A detração é de todos os furtos o mais grave. O furto avulta-se mais grave, quanto maior for o prejuízo por ele causado. O dano é tanto mais sensível, quanto mais estimado é o objeto furtado. Ora, a boa fama é superior a todas as riquezas materiais. Diz a Escritura: “Melhor é um bom nome, que muitas riquezas” (Pr 22, 1) Embora pobres, mas gozando boa fama, seremos úteis membros da sociedade; sem ter boa reputação, o bem que fazemos, é capaz de ser recebido com desconfiança. Daí devemos deduzir que a detração, a maledicência é de todos os furtos o maior e “em si pecado grave” (Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica 2.a 2.a). Leve é considerada a detração, quando é feita por leviandade, sem que disso resulte dano maior para o próximo; mas quem pode calcular e prever o efeito que uma palavra falada pode ter? Quem pode se assegurar de sua detração ter produzido apenas uma leve arranhadura?
O ladrão nem sempre tem cúmplices; o detrator forçosamente os tem. Se não os tivesse, a fama do próximo nada sofreria. Ora, “… quem tais coisas faz – diz São Paulo, – é digno de morte; e não só quem as faz, como também aqueles que em comum acordo com ele as praticam” (Rm 1, 32). Quem dá ouvidos ao detrator, torna-se participante do pecado do mesmo; pois sua presença o anima a difamar o próximo:”Não sei quem está mais em perigo de se condenar: o detrator mesmo ou aquele que o aplaude” (São Bernardo de Claraval). Assim quem ouve a difamação, não se lhe opondo como devia, dá escândalo contra a caridade, pois sua atitude dá coragem e ânimo ao difamador a cometer o pecado; peca contra a justiça, porque permite que em sua presença se retalhe o bom nome do próximo. A cumplicidade será naturalmente menos acentuada e menos culpável, se há motivos bastantes e fortes, que aconselham ou impõem o silêncio, como sejam o medo e o acanhamento de se opor ao difamador.
Mas o que dizer daqueles que com seu dinheiro, com seu talento, com o prestígio que possuem, ajudam e sustentam a difamação sistemática feita pela má imprensa? Há uma certa imprensa, que não perde ocasião de vomitar difamações contra o Papa e contra a Igreja. E estas difamações correm em milhares de exemplares pelas cidades, entram nas famílias, nas oficinas e em toda parte. Não falta gente que, não tendo o costume de pensar, toma por verdade tudo que a imprensa lhe engoda e considera o jornal o intérprete infalível da verdade. Que terrível julgamento no tribunal de Deus não terão aqueles escritores infames que molham sua pena no veneno da difamação e da calúnia. Que responderão a Deus, eles, como também os leitores e assinantes de tais jornais, instrumentos diabólicos que são para desacreditar a religião e afastar as almas de Deus!
Se ao ladrão, difícil é a restituição dos bens que furtou, incomparavelmente mais difícil é reparar os males da difamação. A boa fama não é uma moeda que possa sem o menor incômodo ser trocada por outra do mesmo valor. O objeto roubado fica nas mãos do ladrão. O furto, outras consequências não precisa ter senão entre o gatuno e sua vítima. A difamação, porém, se difunde e se espalha pavorosamente. Como o ladrão, se não lhe é possível restituir tudo, é obrigado a restituição parcial; assim o difamador, assim seu cúmplice: obrigados são a reparar o mal que causaram.
São obrigados a desmentir, se não disseram a verdade; devem reduzir aos devidos termos suas afirmações, se houve exagero da sua parte. Se o fato difamante é verdade, e se nós nos encarregamos de torná-lo publicamente conhecido, não havendo, pois, detração propriamente dita da nossa parte, devemos, entretanto, procurar meios para desculpar o pecador e atenuar as circunstâncias. Se, apesar das nossas indiscrições, a falta do próximo não chegou a ser conhecida por muita gente, a caridade e a justiça obrigam-nos a calarmos. Sejam como forem as circunstâncias, ponhamo-nos sempre ao lado dos defensores do culpado, procurando nós desta maneira desmanchar o mau efeito que a nossa imprudência ou maldade mesma produziram.
Fujamos dos difamadores, dos intrigantes e mexeriqueiros.
É gente maligna que muito tem da cobra que morde no escondido. Se o próximo fez mal e pecou, pecado maior comete quem o difama. Façamos sempre o melhor conceito possível do próximo. Se um dia aparecer uma falta dele grave e patente, condenamo-la em silêncio, sem que nos arvoremos em seu juiz e muito menos ainda devemos torná-la pública. O pensamento de sermos capazes também de praticar os mesmos pecados, e ainda maiores, se a ocasião para isso se oferecer, e a graça de Deus nos faltar, deve manter-nos sempre na prudente reserva.
Milhares de pessoas difamam o próximo e pensam que estão puros diante de Deus. Quanta ilusão!
Conta-se que um discípulo do sábio Sócrates, querendo contar-lhe um fato que ouvira numa roda de conhecidos, começou assim:
– Ouve, mestre, o que se diz de um teu amigo…
– Pára! Pára! – interrompeu-o o filósofo. – Já passais por três peneiras o que me vais contar?
– Por três peneiras!? – exclamou o discípulo, admirado.
– Sim, meu amigo, por três peneiras. Vejamos se o que me desejas contar pode passar por elas. A primeira é a verdade. Tens plena certeza do fato? Examinaste seriamente se é verdade?
– Não examinei, mas ouvi falar…
– Bem – atalhou Sócrates – pois que não passa pela primeira, estás certo de que passará pela segunda peneira? Se o que me queres contar, se bem que duvidoso, é ao menos alguma coisa boa?
– Boa, propriamente, não é. Compromete…
– Ora – interrogou novamente o mestre – se é duvidoso e mau o que me vens contar, vejamos se consegue salvar-se na última peneira. Tens motivos graves para contar o que ouviste? Será necessário que eu seja informado?
– Necessário, propriamente, não, mas…
Sorriu, então, o filósofo e continuou sua lição, dizendo:
– Se o que me desejas contar é duvidoso, não é coisa boa, nem precisa ser conhecido por outros, melhor será não contá-lo.
A difamação é um pecado como a calúnia e a maledicência.
Cuidar e defender a boa fama
Entende-se por fama a boa ou má opinião que se tem de uma pessoa. Todo o homem tem direito ao bom nome, por força da sua dignidade natural de ser-racional, criado à imagem e semelhança de Deus.
Durante o julgamento de Cristo diante do Sinédrio, um servo do Sumo Sacerdote deu uma bofetada no Senhor, que tinha respondido a uma pergunta de Caifás. E Jesus defende-Se, dizendo: “Se falei mal, mostra-Me em quê; mas, se falei bem, por que Me bates?” (Jo 18, 23).
Jesus deu-nos o exemplo de como se deve defender a boa fama quando injustamente nos atacam.
A difamação do próximo constitui pecado contra a justiça estrita, e obriga a restituir.
Restituição da fama
Assim como quem causa dano a outro em seus bens materiais tem obrigação de os reparar, com igual
ou maior razão isto se deve fazer nos bens espirituais, por estes serem de maior valor que aqueles. Para que alguém esteja obrigado a reparar a fama, é preciso que se dêem estas três condições simultâneas.
Primeira: Que se lhe tenha tirado por meios injustos a fama a que tinha direito.
Segunda: Que a nossa ação tenha sido causa verdadeira e não mera ocasião.
Terceira: Que se tenha pecado ao tirar a fama a outro. No entanto, neste último caso, mesmo que não houvesse culpa da nossa parte, ao danificar a sua fama, temos de repará-la se o pudermos fazer facilmente, se não por obrigação de justiça, pelo menos por caridade.
O Catecismo da Igreja Católica no n° 2487 ensina: “Toda falta cometida contra a justiça e a verdade impõe o dever de reparação, mesmo que seu autor tenha sido perdoado. Quando se torna impossível reparar um erro publicamente, deve-se fazê-lo em segredo; se aquele que sofreu o prejuízo não pode ser diretamente indenizado, deve-se dar-lhe satisfação moralmente, em nome da caridade. Esse dever de reparação se refere também às faltas cometidas contra a reputação de outrem. Essa reparação, moral e às vezes material, será avaliada na proporção do dano causado e obriga em consciência”.
Você confessa esse pecado?
Católico, examine bem a sua consciência perguntando:
Levantei calúnia ou falsos testemunhos?
Menti com prejuízo do próximo?
Manifestei ou publiquei alguma falta ou defeito oculto do próximo?
Murmurei do próximo?
Semeei discórdias, mexericos ou enredos, ou tenho dado prejuízo a outrem por causa da minha má língua?
Reparei o mal que fiz com calúnias, detrações, etc?
Bibliografia
Bíblia Sagrada
Pe. J. Bujanda, Teologia Moral para os fiéis
Ricardo Sada e Alfonso Monroy, Curso de Teologia Moral
Pe. Francisco Alves, Tesouro de Exemplos
Pe. João Batista Lehmann, Euntes… Praedicate!
Catecismo da Igreja Católica
Fonte: Arautos do Evangelho
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