Santo Antônio Galvão nasceu em 1739, em Guaratinguetá, no interior do estado de São Paulo, cidade que na época pertencia a Diocese do Rio de Janeiro. Com a criação da diocese de São Paulo, em 1745, viveu praticamente nesta diocese: 1762-1822. O ambiente familiar era profundamente religioso. Antônio viveu com seus irmãos numa casa grande e rica, pois seus pais gozavam de prestigio social e influência política. O pai, querendo dar uma formação humana e cultural segundo suas possibilidades econômicas, o mandou, com a idade de 13 anos, para Belém (Bahia) a fim de estudar no seminário dos padres jesuítas. Ficou no colégio de 1752 a 1756, com notáveis progressos no estudo e na prática da vida cristã. Com o clima antijesuítico provocado pela atuação do marquês de Pombal, Antônio entrou para os Frades Menores Descalços da Reforma de São Pedro e Alcântara, em Taubaté, SP.
Aos 21 anos, no dia 15 de abril de 1760, Antonio ingressou no noviciado no convento de São Boaventura, na vila de Macacu, no Rio de Janeiro. Aos 16 de abril de 1761 fez a profissão solene e o juramento, segundo o uso dos franciscanos, de se empenhar na defesa da Imaculada Conceição de Nossa Senhora, doutrina aceita e defendida pela ordem franciscana.
Um ano depois da profissão religiosa, Frei Antonio foi admitido a ordenação sacerdotal, aos 11 de julho de 1762, no Rio de Janeiro. Depois de ordenado, foi mandado para o convento de São Francisco, em São Paulo, com o fim de aperfeiçoar os estudos de filosofia e teologia como também exercitar-se no apostolado. Sua maturidade espiritual franciscano-Mariana teve sua expressão máxima na “entrega a Maria” como seu “filho e escravo perpétuo”, entrega assinada com o próprio sangue aos 9 de novembro de 1766.Terminados os estudos em 1768, foi nomeado pregador, confessor dos leigos e porteiro do convento. Foi confessor estimado e procurado, e, muitas vezes, quando era chamado ia a pé, mesmo aos lugares distantes.
Em 1769-70 foi designado confessor do Recolhimento de Santa Teresa, em São Paulo. Neste recolhimento, encontrou irmã Helena Maria do Espírito Santo, religiosa de profunda oração e grande penitência, que afirmava ter visões pelas quais Jesus lhe pedia para fundar um novo recolhimento. Frei Galvão, como confessor, ouviu e estudou tais mensagens e solicitou o parecer de pessoas sábias e esclarecidas, que reconheceram tais visões como válidas.
A data oficial da fundação do novo recolhimento é 2 de fevereiro de 1774. Irmã Helena queria modelar o recolhimento segundo a ordem carmelitana, mas o bispo de São Paulo, franciscano e intrépido defensor da Imaculada, quis que fosse segundo as concepcionistas aprovadas pelo Papa Júlio II, em 1511. A fundação passou a se chamar Recolhimento de Nossa Senhora da Conceição da Divina Previdência, e Frei Galvão, o fundador de uma instituição que continua até nossos dias. Aos 23 de fevereiro de 1775 morreu, quase imprevistamente, irmã Helena.
Frei Galvão encontrou-se como único sustentáculo das recolhidas, missão que exerceu com humildade e grande prudência. Pelo grande número de vocações, viu-se obrigado a aumentar o recolhimento. Durante quatorze anos (1774-1788), Frei Galvão cuidou da construção do recolhimento. Outros quatorze (1788-1802) dedicou á construção da Igreja, inaugurada aos 15 de agosto de 1802.A obra, “materialização do gênio e da santidade de Frei Galvão”, em 1988, tornou-se por decisão da Unesco “patrimônio da Humanidade”. Frei Galvão, além da construção e dos encargos especiais dentro e fora da ordem franciscana, deu muita atenção e o melhor de suas forcas á formação das recolhidas. Para elas escreveu um regulamento ou estatuto. Em 1929, o recolhimento tornou-se mosteiro, incorporado á ordem da Imaculada Conceição (concepcionistas).
Frei Galvão foi mandado para o exílio pelo capitão-general de São Paulo porque tomou a defesa do soldado Gaetaninho.A população, porém, se levantou contra a injustiça de tal ordem, que imediatamente foi revogada. Em 1781, o Servo de Deus foi nomeado mestre do noviciado de Macacu, Rio de Janeiro, pelos dotes pessoais, profunda vida espiritual e grande zelo apostólico. O bispo, porém, que o queria em São Paulo, não fez chegar a ele a carta do superior provincial, «para não privar seu bispado de tão virtuoso religioso (…) que desde que entrou na religião até o presente dia tem tido um procedimento exemplaríssimo pela qual razão o aclamam santo”. Frei Galvão foi nomeado guardião do convento de São Francisco em São Paulo, em 1798, e reeleito em 1801.
A nomeação de guardião provocou desorientação nas recolhidas da Luz. A preocupação das religiosas é necessário acrescentar aquela do “Senado da Câmara de São Paulo” e do bispo da cidade, que escreveram ao provincial: “Todos os moradores desta Cidade não poderão suportar um só momento a ausência do dito religioso (…) Este homem, tão necessário às religiosas da Luz, é preciosíssimo a toda esta Cidade e Vilas da Capitania de 5. Paulo, é homem religiosíssimo e de prudente conselho: todos acodem a pedir-lho; é o homem da paz e da caridade”. Graças a estas cartas, Frei Galvão tornou-se guardião, sem deixar a direção espiritual das recolhidas e do povo de São Paulo.
Em 1802, Frei Galvão recebeu o privilégio de definidor pela solicitação do provincial ao núncio apostólico de Portugal, porque “é um religioso que por seus costumes e por sua exemplaríssima vida serve de honra e de consolação a todos os seus Irmãos, e todo o Povo daquela Capitania de São Paulo, Senado da Câmara e o mesmo Bispo Diocesano o respeitam como um varão santo”.
Em 1808, pela estima que gozava dentro de sua ordem, foi-lhe confiado o cargo de visitador geral e presidente do capítulo, mas devido a seu estado de saúde foi obrigado a renunciar. Em 1811, a pedido do bispo de São Paulo, fundou o recolhimento de Santa Clara em Sorocaba, no estado de São Paulo. Quando as forcas impediram o ir-e-vir diário do convento de São Francisco ao recolhimento, obteve dos seus superiores (bispo e guardião) a autorização para ficar no recolhimento da Luz.
Durante sua última doença, Frei Antonio passou a morar num “quartinho” (espécie de corredor) atrás do tabernáculo, no fundo da igreja. Terminou sua vida terrena aos 23 de dezembro de 1822, pelas 10 horas da manhã, confortado pelos sacramentos e assistido pelo seu padre guardião, dois confrades e dois sacerdotes diocesanos. Frei Galvão, a pedido das religiosas e do povo, foi sepultado na igreja do recolhimento que ele mesmo construirá. 2. Mensagem e atualidade Frei Antônio de Sant’Anna Galvão foi definido pela Câmara de São Paulo como «o homem da paz e da caridade”, por urna inspiração do Espírito Santo. E esta definição constitui a marca da vida do beato.
A coleta bem como as demais orações da liturgia da missa em honra de Frei Galvão sublinham estas duas grandes virtudes, que brilharam na vida e na obra do Santo Antônio Galvão.
Desde pequeno foi iniciado ainda pela mãe a ajudar os pobres de Guaratinguetá, pois dona Izabel, ao morrer, havia deixado todas as suas vestes para os pobres. O pai, Antônio, sempre foi solícito pelos mais necessitados. Portanto, aprendera em família a amar os prediletos de Deus.
A caridade de Frei Galvão brilhou, sobretudo, como fundador do mosteiro da Luz, pelo carinho com que formou as religiosas e pelo que deixou nos estatutos do então recolhimento da Luz. São páginas que tratam da espiritualidade, mas em particular da caridade de como devem ser vivida a vida religiosa e tratadas as pessoas de dentro e de fora do “recolhimento”. “Foi frade de muita caridade, foi frade de muita vida espiritual, antes de tudo”, escreveu Frei Henrique Golland Trindade, mais tarde bispo de Botucatu, SP Além desse testemunho, ternos o depoimento das religiosas mais antigas do recolhimento da Luz, que afirmam: “Amava os pobres e muitas vezes pagava as suas dividas. Mesmo de noite ia visitar os doentes e procurava animar e consolar os aflitos”
Fama de santidade
Sobre a fama de santidade de Frei Galvão, fala com ardor e autoridade a Irmã Célia Cadorin, postuladora da sua causa de canonização, em declarações à Revista Arautos do Evangelho.
Ela ressalta ser indispensável que a fama de santidade de um candidato aos altares seja evidenciada na vida, na morte e depois da morte. Para este efeito, ela esquadrinhou os arquivos da Prefeitura de São Paulo, do Instituto Histórico, da Cúria provincial dos franciscanos e, sobretudo, do Mosteiro da Luz. Não faltaram as provas e documentos.
“O processo inteiro comportou quase 10 mil páginas, contendo um relato sintético de mais de 8 mil graças alcançadas”, explica Irmã Célia. E, dentre os documentos anexados, cita como exemplo uma ata contemporânea do Santo, da Câmara de São Paulo, na qual se diz: “Este homem é preciosíssimo a toda esta cidade e vila da Capitania de São Paulo. É um homem religiosíssimo e de prudente conselho.
Todos acodem a fazer-lhe pedidos. É um homem de paz e caridade”.
O Mosteiro de Nossa Senhora da Luz
Mas, se quisermos citar a maior obra de sua vida, que marcaria para sempre a grande cidade de São Paulo, devemos falar do Mosteiro de Nossa Senhora da Luz. De tal maneira Frei Galvão ligou sua existência ao novo mosteiro, que não podemos mencionar essa instituição sem que o seu nome nos venha logo à memória; bem como não podemos nos referir ao santo religioso sem nos lembrarmos desse convento.
Frei Galvão recebeu, no início de suas incumbências sacerdotais, três encargos: o de pregador da ordem franciscana, o de porteiro – que o tornou muito conhecido – e o de confessor do Recolhimento de Santa Teresa, onde viviam algumas monjas. Era o único estabelecimento de religiosas então existente em São Paulo. Chamava-se “recolhimento” porque naqueles tempos de perseguição religiosa o termo “mosteiro” era imprudente perante o governador.
Nessa singela comunidade que Frei Galvão passou a dirigir, vivia uma alma eleita: Irmã Helena Maria do Sacramento. A essa devota freira foi revelado ser desejo de Deus que Frei Antônio de Sant’Ana Galvão fundasse um novo convento na cidade de São Paulo. Caso perigoso e delicado! Por um lado, havia proibição formal da parte do Marquês de Pombal de receber noviços em qualquer instituição, sob pena de morte; e por outro, a natureza daquela revelação seria posta à prova por muitos. O próprio Santo refletiu longamente, consultou os canonistas e, sobretudo, analisou aquela alma. Sua conclusão foi: é de fato um desejo inspirado, fundemos o novo convento.Escolheu-se o Campo da Luz, onde havia já uma antiga capelinha dedicada a Nossa Senhora da Luz, numa região totalmente despovoada e não distante do rio Anhembi. Começou, a partir daí, um calvário de dissabores e provações que para o Santo se traduziam em provas visíveis de ser este o desígnio de Deus. A pequena comunidade que ali passou a viver em instalações provisórias sofreu de tudo: o mandado de que fosse extinto o Recolhimento, a fome e a miséria que quase as levaram à morte, a privação da assistência de Frei Galvão até passar a tormenta… Mas o Senhor queria “construir a casa sobre a rocha” e, na raiz dessa heróica fundação, era necessário o sofrimento de todos.
Por fim, depois de obtidas as devidas licenças, Frei Galvão iniciou a construção do belo mosteiro que se mantém em suas linhas gerais tal qual o vemos hoje.
O filho do Capitão-Mor de Guaratinguetá tornou-se mendigo pela obra de Deus. Angariou fundos e operários para a construção, fez longas e penosas viagens – sempre a pé -, divulgando e mobilizando a população a contribuir para causa tão nobre. As doações chegavam, mas não bastavam… Em uma palavra, ele próprio foi a pedra angular dessa casa de Maria Santíssima e de seu Divino Filho, chegando a trabalhar pessoalmente naquele rude ofício. Mas… que consolação!
De seu sofrimento brotaram inúmeras vocações, que não tardaram em apresentar-se, e o Mosteiro de Nossa Senhora da Luz logo ficou conhecido como “um viveiro de santas”, formadas nas luminosas vias indicadas por seu fundador. Quantas graças para a salvação das almas não terão sido obtidas através dos sacrifícios oferecidos por essas virgens consagradas?
As “pílulas” de Frei Galvão
Entre as numerosas graças recebidas pela intercessão de Frei Galvão destacam-se, pela simplicidade e pela maravilhosa confiança na Mãe de Deus que encerram, as pílulas miraculosas.
Esse costume tão característico de nosso Santo – ininterruptamente seguido por milhares de fiéis desde quando ele era vivo até os dias de hoje – comprova, pelas graças e feitos portentosos que opera, não ser uma mera crença popular. A Irmã Célia Cadorin explica a origem das pílulas.
Diz a história que certo dia apresentaram a Frei Galvão um moço com muitas dores, sem poder expelir uns cálculos renais. O santo religioso movido de compaixão, depois de rezar teve uma súbita inspiração. Escreveu em três papelinhos a seguinte frase do ofício da Santíssima Virgem Maria: “Post partum Virgo inviolata permansisti: Dei Genitrix intercede pro nobis”, ou seja: “Depois do parto, ó Virgem, permanecestes intacta; Mãe de Deus, intercedei por nós”.
Enrolou os papeizinhos em forma de pílula e deu ao jovem para que os tomasse como remédio. Logo depois o moço expeliu um grande cálculo e ficou curado. Mais tarde um homem aflito procurou Frei Galvão, dizendo que sua esposa, que ia dar à luz, estava muito mal. Novamente ele se lembrou do versículo do ofício de Nossa Senhora escreveu, enrolou e mandou as pílulas para a mulher. Depois de tomá-las, ela deu à luz sem nenhum problema.
Estes e outros fatos se propagaram rapidamente e os pedidos dos célebres papelinhos, ou pílulas, ficaram muito freqüentes.
Frei Galvão ensinou às irmãs do Recolhimento a fazerem pílulas, de modo que, mesmo em sua ausência, as pudessem dar às pessoas que viessem pedir na portaria do Convento.
No início as pílulas eram procuradas sobretudo pelas parturientes. Com o tempo, porém, começaram a ser usadas por quem sofria de enfermidades diversas, de modo especial problemas renais, cálculos ou pedras nos rins. E até para a conversão de pecadores. Hoje em dia são solicitadas por homens, mulheres e jovens que nas doenças – principalmente câncer – ou em dificuldades de toda espécie, invocam a intercessão do servo de Deus e as tomam com fé.
Animam suam in manibus suis semper tenens
A morte colheu Frei Galvão na mesma serenidade que conservou durante a vida e seus últimos dias foram uma expressão fiel do altíssimo grau de santidade que ele havia atingido.
Entregou sua alma a Deus no dia 23 de dezembro de 1822, quando contava 84 anos, numa pobre cela atrás da capela do mosteiro por ele construído. Se quisermos definir a vida deste perfeito filho de São Francisco, não encontraremos melhores palavras que aquelas figuradas em seu epitáfio no Mosteiro de Nossa Senhora da Luz: “Animam suam in manibus suis semper tenens”. Sempre teve a sua alma nas mãos. Com efeito, depois do pecado cometido por nossos primeiros pais, o gênero humano perdeu aquela completa harmonia de todas as suas inclinações, que era o dom de integridade.
Reduzidos à dura prova de lutar contra si mesmos mais do que contra qualquer adversidade de sua existência, os homens passaram a depender em maior grau da graça divina do que de suas próprias forças, porque já não encontravam em sua natureza o antigo estado de perfeição. É precisamente nessa docilidade à vontade da Providência em detrimento da sua própria que brilhou a santidade de Frei Galvão: flexível ao sopro do Espírito Santo, esqueceu-se por completo de si mesmo e sepultou as suas deliberações no Coração do Divino Mestre.
Daí lhe veio a incomum virtude da fortaleza à qual ninguém resistia: era amado pelo povo, respeitado pelas autoridades, obedecido pelas religiosas, procurado pelas crianças.
Com quanta razão disse Santo Agostinho: “É necessário que a mente sejamais poderosa que a paixão, e a domine. Quanto mais uma virtude for nobre e sublime, mais ela será forte e invencível. Nenhuma alma viciada pode dominar outra munida de virtudes” (1).
Ao receber a merecida honra dos altares, queira Santo Antônio de Sant’Ana Galvão continuar prodigalizando tantos favores quanto os que já tem obtido para a nação que ele tanto desejou ver firme na fé. Feliz o Brasil por ter tal filho! Feliz a Igreja por ter tal Santo! ² 1) O livre-arbítrio, Paulus, São Paulo, 1995, pp. 48-49 (Revista Arautos do Evangelho, Maio/2007, n. 65, p. 20 à 25)
Fonte: Arautos do Evangelho
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