Para nossa época acostumada às facilidades das viagens aéreas, ir a pé de São Paulo à Bahia parece impossível, ou pelo menos de uma tal dificuldade que nem se cogita em tentar.

Entretanto esse percurso foi realizado a pé várias vezes pelo Pe. Anchieta, o melhor, São José de Anchieta. E não havia estradas; era preciso abrir caminho pela mata virgem, atravessar rios, enfrentar índios e feras, dormir ao relento etc.

Numa dessas viagens, pousando numa “casa” dos jesuítas — uma choupana que servia de moradia, capela e colégio — parou Anchieta por alguns dias para evangelizar os índios da região. Nesse período o irmão cozinheiro veio comunicar-lhe que não havia mais azeite para as próximas refeições.

Imperturbável, Anchieta foi até a cozinha, parou diante do barril onde estivera o azeite, rezou e traçou o sinal da Cruz. Voltou-se e saiu sem nada dizer.

O irmão cozinheiro, habituado aos feitos do Padre, levanta a tampa do barril e… o encontra cheio do melhor azeite. Depois deste dia, passaram-se anos e o azeite nunca acabava: retirado o necessário para um dia, o barril permanecia cheio.

O barril ficou conhecido como o “barril das Bem Aventuranças”. Por que?

É comum entre os comentaristas do Sermão das Bem Aventuranças ou da Montanha a expressão de que, desse divino ensinamento de Jesus, passam-se as gerações, os séculos e dele se retiram sempre ensinamentos novos e inesgotáveis.

Um desses comentários é o que transcrevemos, feito pelo Mons. João Clá Dias, Fundador dos Arautos do Evangelho (1).

OS PRIMEIROS PASSOS PARA A FUNDAÇÃO DA IGREJA

Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP

Já havia o Salvador pregado nas sinagogas da Galiléia,“e era aclamado por todos”(Lc 4, 15); multiplicava maravilhas por onde passava, expulsava os demônios dos possessos a ponto de levantar a interrogação: “Manda com poder e autoridade aos espíritos imundos, e eles saem?” (Lc 4, 36); curara a sogra de Pedro e um incontável número de outros enfermos (Lc 4, 38-41); operara a inesquecível pesca milagrosa (Lc 5, 1-7); quebrando todos os padrões multisseculares, tocara num leproso, tornando-o são (Lc 5, 12-14); e perdoava os pecados (Lc 5, 18-20). Assim, devido a um convívio que se tornara assíduo, todos estavam já tomados pela exemplaridade de Jesus em seus mínimos detalhes.

Com a recente eleição dos doze Apóstolos, concluiu Jesus com chave de ouro a primeira fase do ensino. Tornava-se agora necessário expor sua doutrina de maneira metódica, a fim de conferir um embasamento lógico a todas as suas ações e ensinamentos. É nessa sequência que se insere o Sermão da Montanha.

Mar da Galiléia visto do Monte das Bem Aventuranças

Com muita propriedade, a esse respeito assim se expressa o comentarista Fillion: “A instituição do Colégio Apostólico e o Sermão da Montanha são fatos conexos e ambos têm elevadíssimo significado na vida de Jesus.

Com razão são considerados como os primeiros passos para a fundação da Igreja. Com a eleição dos Apóstolos, procurava Ele auxiliares e preparava continuadores oficiais; ao pronunciar seu grande discurso, promulgava o que expressivamente tem-se chamado a Carta do Reino dos Céus” (2).

A pregação e o proceder de Jesus eram inéditos para a psicologia e mentalidade daqueles povos da Antiguidade. Por isso, não só para os judeus comuns, mas até mesmo para os próprios Apóstolos, era indispensável uma exposição estruturada do pensamento do Divino Mestre.

Uns e outros estavam maravilhados, mas chegara o momento de Ele dar a conhecer de forma clara e sintética, sobretudo aos Apóstolos, a doutrina em função da qual se movia. Ademais, dada a progressiva dissensão entre Ele e os escribas e fariseus, fazia-se oportuna uma definição de programa, para assim se tornar efetiva a profecia do Velho Simeão: “Eis que este Menino está posto para ruína e ressurreição de muitos em Israel e para ser sinal de contradição” (Lc 2, 34).

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Com essa perspectiva, lhe sugerimos, caro internauta: leia agora o Sermão da Montanha: Evangelho de São Lucas, capítulo 6, versículos 20 a 26. Desse pequeno “barril” podem ser tirados ensinamentos que, aplicados, mudariam a face da terra.

(1) Trecho do artigo “O Sermão da Montanha”, Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP, Revista Arautos do Evangelho, nº 26, fevereiro de 2004, pp. 6-12.
(2) L.-Cl. Fillion, Vida de Nuestro Señor Jesucristo, Ed. Voluntad, Madrid, 1926, t. III, p. 56.

Ilustrações: Arautos doEvangelho, flickr, Sergio Holmann, Biblioteca Nacional

Fonte: Arautos do Evangelho em Vitória