Não há dia em que a graça não nos fale. Não há dia em que Deus não nos convoque a dar um passo a mais na união com Ele. Para escutar com clareza essa voz misteriosa e discreta, basta nos afastarmos um pouco da voragem do mundo hodierno.
Quem, estando imerso nas ocupações diárias, no meio da labuta cotidiana, não se sentiu tocado alguma vez por uma voz discreta e misteriosa a lhe dizer: “Se hoje ouvires a minha voz, não endureças teu coração”? Quem nunca escutou sussurrar em seu interior: “Vem a mim e te darei paz de alma, serenidade no combate, forças quando tua fragilidade clamar por ajuda, e vitória nos teus intentos”? Quem jamais se sentiu assumido por palavras de suave bálsamo, que penetram a fundo no coração?
A presença dessa íntima e enigmática voz é muito mais comum do que se pode imaginar. Ao longo do dia, embora de forma quase imperceptível, ela fala, adverte, aconselha, corrige. Em meio às tribulações, costuma tranquilizar; diante de uma ocasião próxima de pecado, nos previne; após uma falta, nos repreende. É a graça falando em nosso interior.
Ela pode entrar em contato conosco de maneiras diversas: através de uma música que nos equilibra e eleva; da contemplação de um vasto e belo panorama, imagem da grandeza e dadivosidade divinas; ou quiçá da visão de um mar cristalino e translúcido, com a cor da água-marinha, que nos arranca da vulgaridade e agitação hodiernas.
Pode manifestar-se também por meio de uma pedra preciosa, cujo esplendor evoca a ação da Providência sobre certas almas muito escolhidas. Rudes e opacas no início, elas são lapidadas pelo sofrimento e polidas pela ação do Espírito até atingirem uma beleza rutilante, reflexo da inefável Luz do Criador.
O sereno voo de uma águia rumo ao cume das montanhas, bem junto às nuvens do céu, fala-nos também ao espírito com força. Admira-nos a enorme distância que a separa da mediocridade das coisas terrenas, sobre as quais parece lançar um olhar de sobranceira indiferença. Quem a contempla deslizando nas alturas logo é tocado por aquela voz misteriosa, que diz: “Vem tu também singrar os altos panoramas da criação, saboreia os voos sobrenaturais do espírito, não te prendas aos vazios e efêmeros objetos da terra. Foste chamado a ultrapassar em ousadia essa ave insigne. Ama com todas as forças de tua alma tudo o que tange a Deus e detesta tudo o que a Ele se opõe”.
Não há dia em que a graça não nos fale; não há dia em que Deus não nos convoque a dar um passo a mais na união com Ele. Para ouvir essa voz misteriosa e discreta não é necessário possuir dons místicos extraordinários. Basta nos afastarmos um pouco da voragem do mundo hodierno à procura dos valores mais altos. Paremos por alguns instantes junto ao Santíssimo Sacramento, aos pés de uma imagem piedosa ou diante do retrato de algum Santo. Sem dúvida a graça se fará ouvir ali com maior nitidez do que no meio das ocupações do dia a dia.
O ser humano é um composto substancial de matéria e forma, de corpo e alma e, por isso a graça se utiliza de algo ou alguém para agir sobre nós. A matéria produz uma influência benéfica sobre o homem quando ligada a Deus e lhe serve de obstáculo quando ligada ao mal. Quanto maior contato tenhamos com lugares, objetos ou pessoas que Lhe pertencem por inteiro, mais perto d’Ele conseguiremos estar.
Uma rutilante pedra preciosa, ou ainda uma alma preciosa, quando considerada nos seus aspectos mais nobres e admirada enquanto reflexo do Altíssimo, jamais será instrumento de afastamento de Deus, como julgam muitos insensatos e ignorantes, senão um instrumento que nos conduz até o Céu.
Ouçamos atentamente essa voz da graça que a todo momento nos fala, mesmo na insensibilidade da alma, para que no dia do Juízo possamos escutar com gáudio Nosso Senhor nos dizer: “Essa ovelha escutou a minha voz. Eu a conheço e agora ela há de Me seguir para sempre!” (Revista Arautos do Evangelho, Junho/2018, n. 198, p. 50-51)
Fonte: Arautos do Evangelho
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