Se nos lembrássemos com frequência de que Deus é senhor de nossas vidas e tudo dispõe para nossa salvação eterna, certamente nos inquietaríamos menos com as dificuldades grandes ou pequenas.

Não faz muito tempo, tive oportunidade de visitar uma pequena aldeia de pescadores, numa região bastante afastada do centro urbano. A mim, acostumado desde criança aos recursos e facilidades que a grande cidade oferece, chamou-me a atenção a marcante diferença entre o estilo de vida do citadino e o do aldeão. E mais ainda, entre os dois tipos humanos.

As casas, bem alinhadas sobre uns rochedos próximos à costa, eram simpáticas e aconchegantes, embora longe de trazer a por do sol.JPGmarca da riqueza. Do lado de fora, sólidas redes de pesca penduradas, algumas com remendos, outras cobertas por uma espécie de limo verde.

Caminhando pelas ruas estreitas e irrepreensivelmente limpas, cruzei com bandos de crianças alegres e despreocupadas, homens caminhando sem pressa e, de vez em quando, uma mulher toda trajada de negro, cujo luto rigoroso era um sinal do destino de tantos homens que têm a ousadia de enfrentar o mar…

Vi só barcos médios e pequenos; alguns jaziam sobre a areia, outros balouçavam na água. Pelas redondezas da praia, grupos de pescadores entretinham- se numa conversa aparentemente sem fim, uns sentados em toscos bancos, outros em pedras ou mesmo no solo. Não vi indício algum de preparação para a pesca na manhã seguinte, mas, mesmo assim, perguntei ao velho aldeão que me servia de cicerone:

– A que horas vão sair para pescar amanhã?

– Oh, não… Amanhã é impossível… Vê aquelas pequenas nuvens que se avolumam lá longe no horizonte, e sente esse ventinho que sopra do sul? Esta noite desabará uma tempestade, e durante todo o dia de amanhã o mar estará revolto. Você compreende… Somos pescadores, e vivemos à mercê do mar. Se Deus nos concede bom tempo, saímos. Se Ele permite mau tempo, sentamos e esperamos. Não há de que se preocupar, muito menos de se irritar… Para tudo há tempo.

O velho pescador dizia isso muito tranqüilo, enquanto apertava os olhos para melhor observar as tais nuvens por ele indicadas. Seu tom de voz transmitia uma serenidade quase tão grande quanto o número de anos que lhe pesavam sobre os ombros.

Pouco depois, outros pescadores juntaram- se à conversa, contentes por poderem contar suas experiências a um visitante vindo da cidade grande. Durante algumas horas, narraram-me histórias de festivos dias de abundante pescaria, como também de dias tristes de escassez, e de lances trágicos em que, cheios de dor mas impotentes, viram um companheiro desaparecer para sempre sob as ondas do oceano impiedoso.

Causou-me viva impressão a naturalidade com que esses homens, curtidos pelo sal e pelo sol, encaravam essa oscilação entre a alegria e a dor, entre a abundância e a carência. No fim da tarde, segui meu caminho. Ao subir a colina, passei por uma enorme cruz, ali erguida em memória daqueles que o mar havia tragado. Ao longe, nuvens negras se aproximavam, confirmando a previsão do velho e experiente marinheiro.

Enquanto caminhava pela estrada, eu meditava no que tinha visto e ouvido. Admirava-me ver como aqueles aldeões seguiam, em sua vida de incertezas e sofrimentos, o exemplo de resignação dado pelo Divino Mestre: “Não se faça como Eu quero, mas sim como Tu queres” (Mt 26, 39).

A conformidade com a vontade de Deus nem sempre é uma virtude fácil de praticar. Se nos lembrássemos com freqüência de que Deus é senhor de nossas vidas e, em sua sabedoria, tudo dispõe para nossa salvação eterna, certamente nos inquietaríamos menos com as dificuldades grandes ou pequenas com as quais nos deparamos. A exemplo dos pescadores, saberíamos esperar passarem as tempestades e, contentes, “lançar de novo as redes” logo que sair o sol.

Claro está que a virtude da resignação não significa deixar-se cair num imobilismo fatalista, muito menos afundar-se mar.JPGnum comodismo que espera inerte as benesses caírem das nuvens. Trata-se de ter a sabedoria de se lançar com ardor nas lutas da vida, sabendo que, neste vale de lágrimas, os reveses são permitidos por Deus e os sofrimentos não constituem surpresas.

A Sagrada Escritura traz muitos ensinamentos a esse respeito, mas poucas passagens, a meu ver, ilustram tão bem esse espírito de serenidade e de submissão aos desígnios divinos como o capítulo terceiro do Eclesiastes, no qual o Sábio nos ensina:

“Todas as coisas têm o seu tempo e todas elas passam debaixo do céu segundo o termo que a cada uma foi prescrito. Há tempo de nascer e tempo de morrer. Há tempo de plantar. Há tempo de arrancar o que se plantou. Há tempo de matar e tempo de sarar. Há tempo de destruir e tempo de edificar. Há tempo de chorar e tempo de rir. Há tempo de se afligir e tempo de dançar. Há tempo de espalhar pedras e tempo de as ajuntar. Há tempo de dar abraços e tempo de se afastar deles. Há tempo de adquirir e tempo de perder. Há tempo de guardar e tempo de lançar fora. Há tempo de rasgar e tempo de coser. Há tempo de calar e tempo de falar. Há tempo de amor e tempo de ódio. Há tempo de guerra e tempo de paz” (Ecl 3, 1-8).

Ao que parece, os rijos marinheiros da pequena aldeia não conhecem estas sábias considerações, nada neles indica homens muito versados nas Escrituras… Contudo, na simplicidade de suas vidas de sinceros cristãos seguem o exemplo a nós dado pelo Salvador: “Desci do céu não para fazer a minha vontade, mas a de meu Pai que Me enviou” (Jo 6, 38).

Ao invés de viverem como tantas pessoas dos dias de hoje – cheias de angústia por falta de confiança na infinita bondade do Criador – aqueles resolutos pescadores enfrentam as inevitáveis dificuldades da vida, mas sabem esperar a bonança enviada por Deus, enquanto com voz calma e pausada repetem: “Para tudo há tempo…” (Revista Arautos do Evangelho, Junho/2006, n. 54, p. 50-51)


Fonte: Arautos do Evangelho