Difícil é encontrar no mundo uma imagem tão bela, viva e cheia de simbolismo
como a de Nossa Senhora do Bom Sucesso. E não é por acaso.
Para entender por que ela atrai, consola e afaga tão poderosamente,
conheçamos melhor a sua história.

 

Meia-noite. No Mosteiro Real da Imaculada Conceição, de Quito, Equador, o silêncio foi rompido pelas doze badaladas do relógio que assinalaram o início do dia 2 de fevereiro de 1594. Pouco depois entrava na capela a jovem priora, Madre Mariana de Jesus Torres.1

Com o coração repleto de amarguras, vinha implorar ao Divino Redentor, por intercessão de sua Mãe Santíssima, a solução dos problemas que dificultavam a evangelização naquelas terras: maus exemplos dados por alguns sacerdotes e religiosos indignos, injustificáveis desmandos das autoridades eclesiásticas e civis, tudo agravado por manifestações de desobediência no seu próprio convento. Prosternada com a fronte no duro piso de pedra, orava com fervor, quando uma doce voz interrompeu sua prece, chamando-a pelo nome:

— Mariana, minha filha!

Levantou-se logo e viu diante de si uma belíssima Senhora, resplendente de luz, que sustinha no braço esquerdo o Menino Jesus e empunhava na mão direita um báculo de ouro, adornado de pedras preciosas.

— Formosa Senhora, quem sois e o que desejais? – perguntou ela, transbordante de felicidade.

— Sou Maria do Bom Sucesso, a Rainha do Céu e da terra. Vim consolar teu coração aflito. Empunho no braço direito o báculo, pois quero Eu mesma governar este meu mosteiro, como Priora e Madre.

Durou cerca de duas horas o colóquio da humilde freira com a celestial Visitante. Quando esta Se retirou, apenas a bruxuleante luz da candeia iluminava a capela, mas Madre Mariana sentia-se tão fortalecida quanto desejosa de lutar e sofrer por amor a Nosso Senhor Jesus Cristo.

“Meu Filho quer que mandes fazer uma imagem minha”

E não lhe faltaram sofrimentos nem provações! Cinco anos depois, na madrugada de 16 de janeiro de 1599, apareceu-lhe de novo a Virgem Santíssima para reconfortá-la. Comunicou-lhe os desígnios de Deus sobre aquele mosteiro, fez proféticas revelações a respeito do futuro do Equador e das perseguições que ali sofreriam as comunidades religiosas, e acrescentou:

— Por isto quer meu Filho Santíssimo que mandes executar uma imagem minha, tal como Me vês, e a disponhas sobre a estala da priora, para daí Eu governar meu mosteiro. Colocarás em minha mão direita o báculo e as chaves da clausura, em sinal de propriedade e autoridade; na esquerda porás o Menino Jesus: primeiro, a fim de que os mortais entendam o quanto sou poderosa para aplacar a justiça divina e alcançar perdão para todo pecador que a Mim recorra com coração contrito; em segundo lugar, para minhas filhas compreenderem que lhes mostro e apresento meu Filho Santíssimo como modelo de perfeição religiosa. Venham elas a Mim, Eu as conduzirei a Ele.

“Nenhum outro escultor será digno desta graça”

A religiosa ponderou com timidez:

— Linda Senhora, vossa formosura me encanta. Oh, se me fosse dado deixar a desditosa terra e elevar-me convosco ao Céu! Mas permita-me dizer que nenhuma pessoa humana, mesmo a mais entendida na arte da escultura, poderá esculpir em madeira vossa encantadora imagem, tal como me pedis. Enviai para isto o meu Seráfico Pai, para ele executar essa obra em madeira seleta, tendo como oficiais os Anjos do Céu, pois eu não saberei me explicar, e menos ainda saberei informar vossa estatura.

— Nada te atemorize, minha filha – replicou a Virgem Santa –, atenderei ao teu pedido. Quanto à minha altura, mede-a tu mesma com o seráfico cordão que trazes à cintura.

A jovem priora fez uma reverente objeção:

— Formosa Senhora, minha Mãe querida, como me atreveria eu a tocar vossa fronte divina, quando nem os espíritos angélicos podem fazê- -lo? Vós sois a Arca viva da Aliança entre os pobres mortais e Deus; e se Oza caiu morto só pelo fato de ter sustentado a Arca santa para evitar que ela tombasse ao solo (cf. II Sm 6, 6-7), quanto mais eu, pobre e débil mulher!…

— Alegra-Me teu humilde temor e vejo teu ardente amor à tua Mãe do Céu. Traze e põe em minha mão direita o teu cordão e toca em meus pés a outra extremidade.

Cheia de júbilo, amor e reverência, Madre Mariana fez o que lhe ordenava Maria Santíssima, e esta prosseguiu:

— Aí está, minha filha, a medida de tua Mãe do Céu. Entrega-a ao meu servo Francisco del Castillo, explicando-lhe minhas feições e minha postura; ele trabalhará exteriormente minha imagem, pois tem consciência delicada e observa com exatidão os Mandamentos de Deus e da Igreja; nenhum outro escultor será digno desta graça. Ajuda-o com tuas orações e teu humilde sofrimento.

“Recorrendo a Mim, elas aplacarão a ira divina”

“Colocarás em minha mão direita o báculo e as chaves da clausura, em sinal de propriedade e autoridade”

Em outra aparição, na mesma hora das anteriores, isto é, pouco após as doze badaladas da meia-noite, a Virgem Mãe de Deus prenunciou uma época calamitosa para a Igreja no Equador, tempos nos quais quase não se encontraria inocência nas crianças, nem pudor nas mulheres, e acrescentou:

— Com isto sofrerão tuas sucessoras; elas aplacarão a ira divina, recorrendo a Mim sob a invocação do Bom Sucesso, cuja imagem te peço e ordeno que mandes executar para consolo e sustento de meu mosteiro e dos fiéis daqueles tempos. Esta devoção será o para-raios colocado entre a justiça divina e o mundo prevaricador. Hoje mesmo, quando amanhecer, irás ter com o Bispo e lhe dirás que Eu te pedi e mandei fazer esculpir minha imagem para ser colocada à testa de minha comunidade, a fim de tomar posse completa daquilo que a tantos títulos Me pertence. Ele deverá consagrá-la com o óleo sagrado e pôr-lhe o nome de Maria do Bom Sucesso da Purificação ou Candelária.

E insistiu:

— Agora é preciso que mandes executar com toda presteza a minha santa imagem, tal qual Me vês, e te apresses a colocá-la no local por Mim indicado.

“A perfeição da obra corre por minha conta”

A humilde religiosa repetiu a mesma tímida objeção feita cinco anos antes:

— Bela Senhora e querida Mãe de minha alma, a insignificante formiguinha que tendes em vossa presença não poderá descrever a nenhum artista vossas belas feições, vossa formosura, nem vossa estatura; não tenho palavras para explicar, e não há na terra ninguém capaz de fazer a obra que me solicitais.

— Nada disto te preocupe, filha querida. A perfeição da obra corre por minha conta. Gabriel, Miguel e Rafael tomarão a seu cargo secretamente a fabricação de minha imagem. Deverás chamar Francisco del Castillo, que entende de arte, e dar- -lhe uma sucinta descrição de minhas feições, exatamente como Me viste, pois com esta finalidade apareci tantas vezes a ti.

E pela segunda vez a Virgem Santa ordenou-lhe medir sua altura:

— Quanto à minha estatura, traze o cordão que te cinge e mede-Me sem temor, pois a uma Mãe como Eu agrada a confiança respeitosa e humilde de suas filhas.

— Rainha do Céu e Mãe querida, eis aqui o cordão para Vos medir. Quem o sustentará em vossa formosa fronte, ornada por essa linda coroa, com a qual Vos coroou a Santíssima Trindade? Eu não me atrevo a fazê-lo, nem, aliás, conseguiria com minha pequena altura.

— Filha querida, põe na minha mão uma das pontas do cordão e Eu o colocarei na minha fronte, enquanto tu encostarás a outra no meu pé direito.

Nossa Senhora tomou então uma das extremidades do cordão e a encostou em sua fronte, deixando à enlevada monja o encargo de pôr a outra na ponta de seu pé direito. O cordão era um pouco curto, mas esticou-se milagrosamente, como elástico, até atingir a estatura da celestial Dama.

Feições semelhantes às da Mãe que está nos Céus

“Hoje mesmo, quando amanhecer, irás ter com o Bispo”, ordenara a Virgem Santíssima. Madre Mariana, porém, antevendo diversos obstáculos, ia adiando o cumprimento da ordem recebida. Doze dias depois, Ela lhe apareceu de novo, resplendente de luz como sempre, mas desta vez silenciosa e olhando-a com amável severidade.

Depois de ouvir uma maternal advertência, seguida de explicações que desfizeram todos os seus temores, respondeu a religiosa:

— Bela Senhora, justa é vossa repreensão. Peço-Vos perdão e misericórdia, e prometo emendar-me. Hoje mesmo falarei com o Bispo para dar início à execução de vossa imagem.

De fato, nesse mesmo dia expôs a Dom Salvador de Ribera a ordem recebida da Rainha do Céu. Este ouviu com atenção o relato da santa priora, pôs à prova sua objetividade, por meio de muitas perguntas capciosas, e, por fim, deu inteira aprovação ao projeto; comprometeu-se inclusive a ajudar em tudo quanto fosse necessário à sua pronta realização.

Apressou-se então Madre Mariana em contratar o escultor Francisco del Castillo. Disse-lhe ela:

— Como o senhor é, antes de tudo, bom católico, e também hábil escultor, quero confiar-lhe uma obra muito especial, a ser executada com todo esmero: esculpir uma imagem da Virgem Maria, a qual deverá ter feições celestiais, semelhantes às de nossa Santíssima Mãe que está nos Céus em corpo e alma; dar-lhe- -ei a medida, pois a estátua precisa ter a estatura exata de nossa celestial Rainha.

Francisco del Castillo recebeu essa incumbência como uma insigne graça de Nossa Senhora e recusou categoricamente qualquer pagamento por seus serviços. Gastou vários dias procurando em Quito e nos arredores a melhor madeira, e logo pôs mãos à obra. Trabalhava com tanto amor, e sentia tamanha consolação, que não conseguia conter as lágrimas.

Logo surgiram doadores para três importantes peças de ourivesaria: as chaves de prata, a coroa e o báculo. A pedido das freiras, o escultor fazia todo o serviço, não no seu ateliê, mas no coro alto do mosteiro.

De seu rosto partiam raios de luz

Marcara-se para o dia 2 de fevereiro de 1611 a solene bênção litúrgica da imagem sagrada. Três semanas antes desse prazo, faltava apenas um “pequeno” detalhe: dar ao rosto um colorido digno da face da Santa Virgem das Virgens. Decidiu o mestre del Castillo fazer uma pesquisa à procura das melhores tintas; partiu com esse objetivo, prometendo estar de volta no dia 16 de janeiro para executar a delicada operação, de longe a mais importante de sua obra.

A imagem precisava ter a estatura exata de nossa celestial Rainha Madre Mariana medindo com o seráfico cordão a altura de Nossa Senhora – Mosteiro Real da Imaculada Conceição, Quito

Grande era a expectativa das religiosas quando, no alvorecer do dia 16, dirigiam- -se à capela para, como de costume, louvar Nossa Senhora com o cântico do Pequeno Ofício. Ao se aproximarem do coro alto, ouviram melodiosas harmonias que as deixaram cheias de emoção. Entraram pressurosas e – oh, maravilha! –, uma luz celeste inundava todo o recinto, no qual ressoavam arrebatadoras vozes de Anjos que cantavam o hino Salve Sancta Parens (Salve, Santa Mãe).

Aí se deram conta do portentoso fato: a imagem estava milagrosamente concluída!

Transbordantes de enlevo, contemplavam aquele celestial rosto, do qual partiam raios que iluminavam toda a igreja. Aureolada por essa vivíssima luz, a fisionomia da santa imagem se mostrava majestosa, serena, doce, amável e atraente, como que convidando suas filhas a se achegarem com confiança e dar-lhe um filial abraço de júbilo e de boas-vindas. O semblante do Menino Jesus exprimia amor e ternura para com aquelas suas esposas tão estimadas por Ele e por sua Mãe. Nesse dia, todas progrediram na vida espiritual. Compreendendo melhor a própria vocação, amavam mais o seu Divino Esposo e se empenhavam no cumprimento exato da regra e dos deveres particulares.

Nada nela foi feito por mãos humanas

Na hora combinada, chegou Francisco de Castillo, feliz por ter encontrado tintas excelentes para dar o acabamento à obra escultural. Sem nada dizer-lhe do ocorrido, Madre Mariana e algumas outras monjas o acompanharam ao coro alto. Impossível descrever a surpresa e a emoção do piedoso artista.

— Madres, que vejo? Esta primorosa imagem não é obra minha! Não sei o que sente o meu coração, mas esta é uma obra angélica. Escultor algum, por mais hábil que seja, jamais poderá sequer imitar tanta perfeição e tão peregrina beleza!

Isto dizendo, caiu de joelhos aos pés da santa imagem e desafogou seu coração, deixando jorrar dos olhos lágrimas em superabundância. Levantou-se em seguida e lavrou um documento, declarando sob juramento: primeiro, que aquela imagem não era obra sua, mas dos Anjos, pois não era a escultura deixada por ele seis dias antes no coro superior do mosteiro; segundo, que em sua já longa vida de sessenta e sete anos, nunca havia visto, nem sequer na Espanha, cor de pele igual àquela.

Não contente com isto, partiu sem tardança à procura do Bispo Dom Salvador de Ribera, ao qual fez um detalhado relato do acontecido, reafirmando que naquela imagem nada era obra de suas mãos: nem a escultura nem, muito menos ainda, a pintura e a cor da pele.

Ficou, assim, bem documentado que a imagem de Nossa Senhora do Bom Sucesso foi de fato executada pelos Anjos. A Virgem Maria cumpriu à risca a promessa feita a Madre Mariana: “A perfeição da obra corre por minha conta. Gabriel, Miguel e Rafael tomarão a seu cargo secretamente a fabricação de minha imagem”. (Revista Arautos do Evangelho, Fevereiro/2019, n. 206, p. 18-21)

1 Para a elaboração do presente relato foram selecionados e harmonizados diversos episódios narrados em: SOUSA PEREIRA, OFM, Manuel. Vida admirable de la Madre Mariana de Jesús Torres y Berriochoa. Quito: Fundación Jesús de la Misericordia, 2008, t.I, p.115-163.

Entronização da imagem de Nossa Senhora do Bom Sucesso, na Missa de Abertura do Curso de Férias de 2018


Fonte: Arautos do Evangelho