Quantas ideias, inspirações, sentimentos, lembranças nos vêm à alma ao escutar uma bela melodia executada, de preferência, por instrumentos bem afinados! Isso porque a música possui a capacidade de nos transportar a realidades muito superiores às que constatamos com nossos olhos, eleva nosso espírito e nos torna mais próximos do sobrenatural. Transmite-nos, em suma, algo do próprio Deus.

Certas composições denotam seriedade e equilíbrio de espírito, como ocorre com o cântico gregoriano; outras parecem nos consolar em meio à solidão e abandono; outras, ainda, nos inspiram horizontes grandiosos, panoramas sublimes… O mundo das harmonias é tão vasto que torna-se impossível descrevê-lo com palavras, pois ele fala mais ao sentimento do que à razão. Pela música as almas percebem, olfateiam, respiram e degustam nos imponderáveis as realidades superiores.

Quando a linguagem falada não consegue transmitir os sentimentos, o espírito começa a cantar! Como seria belo escutar a melodia de uma alma no píncaro da alegria! Quão pungente e doloroso seria ouvir a de alguém imerso num calvário de provações e abandonos!

Conta-nos a piedade popular que os Anjos e Bem-aventurados cantam no Céu por não lhes serem suficientes as palavras para louvar a Deus e sua Mãe Santíssima e exprimir a alegria do convívio celeste!

Bandolim italiano do século XIX pertencente a Dona Lucilia Ribeiro dos Santos Corrêa de Oliveira; acima, Anjos músicos, por Lourenço Veneziano – Museu de Belas Artes, Tours (França)

Entretanto, a necessidade de o homem exprimir musicalmente aquilo que traz no coração é tal que as vozes muitas vezes não bastam… E por isso surgiram os instrumentos. Cada um deles tem sua “personalidade”, seu timbre, seus traços. Parece-nos até serem portadores de estados de espírito muito característicos. O trompete, por exemplo, é forte e majestoso, próprio a fazer parte de uma corte real; a nobreza e a delicadeza se conjugam maravilhosamente no violino; as flautas mostram sutileza e polidez; e assim por diante.

Tomemos agora um instrumento tão singelo e modesto, que pode passar despercebido até para muitos amantes da música: o bandolim. Essa espécie de “violãozinho”, ameno como uma gota de orvalho, também possui seu jeito e podemos dizer até seu “jeitinho”…

Os solos que ele costuma interpretar apresentam-se imbuídos de um espírito poético, voltado para o maravilhoso, cheio de candura e bondade, mas incompreendido e até rejeitado. Esse isolamento, entretanto, lhe confere uma beleza toda especial: seu som é tão suave e afável que, se unido a instrumentos mais fortes, já não pode ser percebido; mas não deixa por isso de marcar o conjunto com seu timbre peculiar.

Assim são as almas incompreendidas e rechaçadas pelo mundo, inclusive por seus mais pró- ximos, pelo fato de serem fiéis a Deus. Elas acabam formando um reservatório de candura e bondade contagiosas para quem delas se aproxima disposto a se deixar influenciar.

Se um bandolim pudesse contar – ou melhor, cantar – aquilo que lhe vai na “alma”, descrever-se-ia como alguém que sofre pelo abandono, mas transborda de afeto pelos outros. “Meu timbre”, diria, “é a imagem das almas que sabem harmonizar a candura e a bondade com o sofrimento que o isolamento traz”. (Revista Arautos do Evangelho, Abril/2018, n. 196, p. 50-51)


Fonte: Arautos do Evangelho